quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Crônica pra um dia de verão



Carai, que calor! Que jeito melhor de começar uma croniqueta do que seguindo os passos do Bruxão, nóis que voa, Machado de Assis? Olha o que ele diz: “Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca.” Delícia de ralação forma/conteúdo. Eis aqui uma crônica e uma quentura de incendiar um sujeito que se arriscasse a usar sobrecasaca. Isso Machadão disse no distante século XIX em que não havia aquecimento global, asfalto, prédio espelhado e Geraldo Alckmin.

Declarado nosso assunto, claro que poderia gastar meu latim aqui escrevendo sobre o nosso eterno governador chuchu de cerca e de suas peripécias na gestão da água em São Paulo, citando, por exemplo, o prêmio para o qual foi indicado por sua competentíssima administração. Mas a boca seca, o suor desce e a cerveja gela em igual proporção. O que me faz lembrar que a vida é feliz - nos intervalos da tristeza – e volto à minha tenra infância.

O ano era 94, pleno carnaval. Romário era o cara, o Real tava chegando (a moeda, po) e ainda havia inocência, mesmo com banheira do Gugu e grupo É o Tchan. Como era de praxe entre os habitantes da periferia paulistana, passávamos as datas festivas nas maravilhosas praias do nosso litoral sul, Praia Grande no nosso caso. Que lugar, meus queridos! Tinha mais gente do meu bairro lá que no meu próprio bairro. Todos se conheciam por nome, apelido e jeito de bater na bola. O calor era mais sufocante que churrasqueira de abafar costela e as pessoas se esparramavam pelas ruas em busca do conforto na cerveja ou na guerra de bexigas d’água mais próxima. Duas soluções igualmente lindas.


Abestado é você

Mas nem tudo são flores. Ainda menor de idade, não podia aproveitar das fabulosas propriedades da cerva e, dias antes das festividades, estava tiritando de febre, acamado por uma gripe que insistia em possuir corpo e alma. Mamãe, preocupada, não permitia que eu saísse do seu lado e fuzilava com o olhar e com uma pistola automática .40 quem ousasse jogar uma gota d’água sequer em mim. Mas que merda! Era a melhor época do ano aquela. Nos anos anteriores, saia com outros baderneiros pelas ruas com o mais variado arsenal, distribuindo saraivada de bexiga d’agua, baldada de água com gelo, spray de espuma, confete, serpentina... Era foda. Em 93, vejam só, fora eleito o mais certeiro atirador dentre os moleques depois de fazer uma bexiga pousar no colo do motorista do carro que, displicentemente, passava no fogo cruzado. Ganhei também, apesar de já ostentar certo excesso de peso, o prêmio de mais veloz da rua ao fugir do supracitado motorista.



No entanto, aquela não era a festa pra mim. Mamãe insistia em minha prisão e me cercava de cuidados. Todos brincavam, eu chorava. Sério, nunca se viu criança mais infeliz. Rezava baixinho pra que qualquer respingo de alegria me acertasse; nada.
É nesse momento da vida de uma criança que as utopias, os mitos e os heróis são criados. Vi despontar, entre um folião e outro, um homem com o mais largo dos sorrisos. Era papai! Ele vinha cambaleando e dançando, ao mesmo tempo em que acertava com maestria a todos com uma colorida pistola d’água. Aproximava-se resoluto de mamãe e de mim, seu olhar brilhava. Deparou-se com um balde cheio d’água e, ao invés de passar por cima, apanhou-o vigorosamente. O sorriso já virara gargalhada. Até que veio, cortante, a fabulosa frase: “Deixa o menino brincar, mulé!”, seguido da mais abençoada baldada d’água sobre minha cabeça.

Papai tava meio assim


Que alegria! Sai correndo em êxtase sem perceber a discussão que travavam agora meus progenitores (Aliás, que fique claro o heroísmo de ambas as partes, mamãe ao proteger, papai ao expor sua cria ao mundo.) e me juntei à primeira turba ensandecida que pulava e vivia a calorosa emoção carnavalesca.

Esse dia ficou cravado em minha memória como um aprendizado de frustração e libertação. 
A vida vem me dando tapas ardidos dessa lição há tempos. Essa memória num dia quente só faz querer viver de novo esses momentos de ausência e distração da tristeza que tanto nos fazem bem. Vou agora, como prêmio pelo empenho nessa maçante rotina, buscar meu merecido fardo de Bavaria. Espero que a ressaca não venha como malária existencial, gripe dos anos 90.

Inté mais!

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A polícia e os tabefes

A polícia e os tabefes

Mano! Num é possível... A gente tá vivendo num Estado de policiamento fofucho? Se não estamos, ao menos é o que parece. Tá todo mundo tão magoado com os pescotapas que o coronel da polícia militar levou, que parece até terem batido num ursinho carinhoso. Não me leve a mal não, senhor Coronel. Nada contra sua militaríssima pessoa, mas acho que até o senhor, dolorosamente e de coro quente, há de convir que “demorou pra abalar”.
Procurem entender às citações

Longe de fundamentar a violência como meio inescapável pra produzir qualquer efeito, digo, sem medo de cometer uma injustiça contra os policiais, que essa foi uma reação mais do que previsível e aceitável para o que vem acontecendo nas ruas. Calma, jovem e escandalizado leitor! Eu não tive um surto de maniqueísmo reducionista e me autoproclamei comandante-em-chefe da revolução. Relaxa a paçoca, Reinaldo Azevedo. As hordas comunistas ainda não estão enfileiradas.

Não estou pedindo aqui nenhuma execução em praça pública dos sujeitos que fazem parte dessa sujismunda corporação. Estou dizendo o que, pra mim, é o óbvio ululante. Acompanhe só, em qualquer jornaleco em que preferir gastar suas já cansadas pestanas, a história dos movimentos de rua que aconteceram no Brasil de junho pra cá. Se você viu alguém cego, ferido, asfixiado, esculachado, trucidado, rasgado ou até mesmo morto, repare bem; O sujeito que apanhou, na esmagadora maioria das vezes, estava vestindo uma farda? Responda com a razão e amoleça esse embrutecido coração.

NÃO, caros amantes de beagles! Eu não estou dizendo com isso que a velha máxima hamurabiana cabe pra esse caso. Não é o “olho por olho” que está em questão aqui, mas uma reação à opressão de Estado, fundamentado por uma instituição, lembremos, MILITAR. Repito: Não é o caso de endossar a violência cometida contra esse agente da lei (lei de quem e para quem), mas de analisar quais os motivos dessa agressão. Esse coronel carrega, inevitavelmente assim como todos nós, incluindo o bandido da crônica anterior (Leia. É legal), a marca de sua classe e dos interesses que ela representa. Os interesses que esse sujeito leva consigo, (Não sei se é um homem bom ou mau, pai de família ou frequentador de cabarés, barbudo ou escanhoado, não interessa) por mais que ele não seja um amante inveterado da corporação, são os de um Estado que, ultimamente, expulsa violentamente os cidadãos que se manifestam nas ruas e diariamente, promove um massacre nas periferias.



Matem ele!

Salvem ele!


Como disse em outras croniquetas da vida umbabariana, acredito que a violência legitimada pelos aparelhos políticos, simbólicos e culturais é a força motriz e perpetuadora de todas as outras. Acredito sim, e agora como franca tomada de posição, que os atos simbólicos dos que se utilizam da tática Black Block são infinitamente menos danosos e preocupantes que as centenas de manifestantes feridos e criminalizados por uma lógica que sempre os chamou de vândalos e bandidos.  O ônus que a polícia militar traz como instituição é, a meu ver, bem maior que a simbólica proteção que ela traz. Digo simbólica por que, de real, só a proteção ao patrimônio e às classes cristalizadas no poder.

Com tudo isso, senhor coronel e pacientes leitores que corajosamente chegaram até aqui, confesso que virei o rosto no momento em que os respingos de ódio atingiram a tela da minha televisão. Decididamente não é legal ver alguém apanhando. Não estou aqui fazendo torneio retórico para esconder minha opinião. Sou, como bom ponta de lança e amante das coisas lúdicas da vida, radicalmente contrário a intervenções militares em lugares onde o diálogo civil deveria imperar. Em contrapartida, não acho que a depredação do patrimônio privado impossibilita a realização desse diálogo, antes denuncia e chama atenção para um lugar em que uma das partes sempre se negou a debater.


Além da presunção de achar que mereço ser lido, vocês sabem que escrevo assim, como quem gorfa. Não gosto de entendia-los passando assim inescrupulosamente dos 140 caracteres. Só deixo alguns pontos para a reflexão e pras próximas croniquetas: Há legitimidade na tática Black Block? A mídia tem tratado as manifestações de maneira imparcial? Por que a Dilma não disse nada à família do Amarildo, mas mandou apoio ao exaustivamente citado Coronel? Opinem e me esculachem se quiserem. Prometo cronicar sobre esses assuntos assim que voltar de um churrasco que Hernane Brocador fará lá na gávea. Pode demorar. Até.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Um cara baleado numa moto

Um cara baleado numa moto


Não é fácil. Ninguém disse que seria... Não passo esse tempo todo calado em vão. Ou melhor, passo. Não que escrever seja alguma coisa além de vã, mas pelo menos é um vômito, uma diarréia que expurga e limpa da banal virose do dia-a-dia. Virose essa que é metáfora. Mas nunca conheci uma que não fosse, já que qualquer sintoma que te leve ao hospital vira rápida canetada do displicente médico que logo sentencia com o que parece ser sua carta coringa: Fique tranqüilo, é só uma virose. E você lá, a sangrar por todos os orifícios, feliz por te acalmarem com uma caganeira.

Mas esse não é o objeto dessa croniqueta, É claro que daria pra falar um bocado de coisa relacionando médicos e caganeira. A reação da classe, tão linda e elitista, unida contra o programa mais médicos, por exemplo. Foi fofo ver o pessoal todo revoltado, subindo pra paulista de táxi, reivindicando contra o regime de escravidão que seria instaurado contra os “coitados médicos cubanos”. Escravidão essa que, além de fazer parte de uma concepção branca e deslocada do conceito, só preocupava na medida que fazia sombra aos salários da categoria. Mas isso são águas reacionárias passadas. Só trago à tona pela já declarada virose existencial.

Agora a parada é outra, mas ainda é a mesma. Explico: É evidente, logo pelo título desse labiríntico textolho, que a treta agora é o novo viral de internet. Um sujeito na zona leste, andando com sua moto e com uma camerazinha bacana na cabeça, é abordado por dois bandidos que, ao tentarem levar a motocicleta do cinegrafista/motoqueiro têm seus planos frustrados por um policial. A versão oficial: Ao perceber que a vítima estava em risco e que o mau elemento sacaria do seu revólver para deter a investida policial, o rapaz fardado dá dois tiros, fazendo um cair e outro fugir em disparada. (notem o caminhar de caranguejo do policial, logo após atingir o meliante, que denota a comicidade absurda até em fatos radicalmente trágicos) Não entrarei nos pormenores dessa versão que, sim, pode ser muito bem relativizada pelo vídeo, mas nas conseqüências discursivas e ideológicas que decorreram do acontecido.

Amigos, senhores, homens e mulheres de bem: NÓS NÃO QUEREMOS LEVAR BANDIDO NENHUM PRA CASA! Por que demônios vocês se sentem tão agredidos quando alguém tenta pensar para além dos domínios do indivíduo e de seu umbigo cascudo de sujeira? Véi, quando eu não fico de pé, emocionado e em lágrimas por conta da morte ou sofrimento de uma pessoa, eu me considero plenamente consciente das minhas faculdades mentais. Não dá pra achar que a morte de um cara vá lavar a alma de todas as vítimas da violência urbana. Por quê? Porque simplesmente não vai! É límpido e cristalino. Qual o fundamento, que não seja, sei lá, o código de Hamurabi, feito há uns 4 mil anos atrás, que dá validade a uma opinião como essa? Se você acredita nisso, sonolento leitor, cuidado para não proferir por aí a fadicídia sentença: “Eu não acredito em fadas!”. Peter Pan ficaria tristíssimo com você.  Não há lógica em sua opinião como não há fundamento para legitimar a violência de Estado.

 
Você não vai querer fazer isso.
Agora, caríssimo, se ainda está perdido no emaranhado de meus encaracolados argumentos, fique tranqüilo que não vai melhorar. Como não quero levar nenhum bandido para casa eu também NÃO VOU ESPERAR ATÉ ALGUÈM APONTAR UMA ARMA PARA ALGUÉM DA MINHA FAMÍLIA. Sério que vocês só conseguem repetir o que diz o Marcelo Resende? Eu, como boa parte das pessoas que conheço, já tive casos de violência extrema acontecendo com os que amo. Amigos morreram dos dois lados dessa cena e, acredite, eu não me senti vingado em nenhuma das situações. Que fique claro que eu acho ainda que são tipos de violência totalmente distintas. A de Estado é muito mais problemática que todas, sendo a principal culpada e desencadeadora das outras.

Tá firmão, tranqüilo. Agora vocês vão dizer. “AH É!? PORQUE QUE VOCÊ NÃO VAI PRA CUBA ENTÂO!?” Aí volta a diarréia como sistema e o vômito como regra. Amigos... Percebem que tudo o que dizem é fruto de uma construção muito bem elaborada de preconceitos e estigmas. Impossível dialogar quando o que impera é um senso maniqueísta que não vê saída possível sem que uma das partes seja obliterada ou exilada numa ilha caribenha. Não há possibilidade democrática que se mantenha sem que haja ao menos uma chance para o contra-discurso. Percebam aqui que sou pessimista quanto a possibilidade de qualquer enunciado que relativize a fúria classista. Experimente, por exemplo, dizer que o que houve no Carandiru há 20 anos foi um massacre, não uma justa limpeza social. Ta foda!

 
Se tá deixando ele triste

Mas suave. Não me alongo por aqui com medo de me contradizer, cheio de esperança num futuro post. Por enquanto o que fica é a virose. A caganeira da revolta bem comportada e o gorfo, proferido com gosto de minha confortável cadeira almofadada. 

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Fascismo

Fascismo?


Convenhamos, fácil num tá. Depois dos recentes acontecimentos juninos, em que a única fogueira pulada era uma catraca e o gás lacrimogêneo fazia chorar mais que “Triste Partida”, não vejo como poderia tá. Confuso? Sim, muitíssimo! Como explicar, depois das pancadas, a sensação de marchar lado a lado de um pessoal que tinha o hino nacional na cabeça e o Rafinha Bastos no coração? Tem que problematizar e controlar a irresistível vontade de julgar. Às vezes escapava um ‘patriota tonto!’? Quando em vez, admito, dava uma escapadela. Imaginávamos o que? Só nossos pares nas ruas, pela estatização imediata dos meios de transporte e pelo fim do capetalismo? Ah vá! Mas tá tranquilo, não se sinta mal de ter gritado ‘coxinha!’ muitas vezes. Você tava certo, só que não muito. Viu só? Confuso!   

Mas firmão. Foi legal ver alguns dos nossos governantes terem uma crise de esquizofrenia repentina. Eles diziam: “Impossível diminuir o preço da passagem!” “Vocês tão fudido da cabeça!? Já aumentamos abaixo da inflação!” Para logo depois: “É, a voz do povo será ouvida. Diminuiremos o preço que tá foda mesmo.” E antes que você, leitor espertalhão, mas nada cauteloso, já esteja inflamado mostrado a linguinha pra tela achando que isso foi pouco, ou que foi a troco de mais imposto, tente compartilhar comigo essa perspectiva: As pessoas estão começando a questionar o lucro das empresas, há cada vez mais aceitação da ideia do passe-livre e tão usando da mais alta tecnologia laser para desintegrar mentiras em pleno jornal da rede globo! Quer mais o que?
Toma!

Mas antes que me trate como um imbecil da objetividade, caro leitor, crente de que sou um otimista inveterado, vamos ao assunto a que essa croniqueta se dedica: O FASCISMO. Assim mesmo, em caixa alta pela atenção que merece. Sei que essa palavra tá mais do que gasta e que seu conceito remete a mais uma meia dúzia de xingamentos bacanas com que merecidamente esculachamos a direita, mas é urgente resgatarmos alguns dos significados perdidos no meio do caminho.

Um rápido flashback histórico. (cuidadosamente parcial)

Alguns sujeitos na Itália do começo do século, cansados com as mazelas que o capitalismo junto à doutrina liberal produzia na sociedade, resolveram chutar o balde.  1- Alguns foram pelo lado material da coisa e buscaram tomar o poder em prol de ideias à época muitíssimo progressistas, colocando o trabalhador como ator principal da história. O patrão era a figura mais detestada e sua queda era primordial para a concretização de suas ideias.  2 - Uma outra rapaziada, mais afeita a ordem, mas ainda assim na mesma situação de merda que a ditadura do patrão propicia(va), resolveu que a culpa tava na corrupção dos antigos valores, esquecidos pelos burgueses sujos. A pátria, a família, a religião e a honra pessoal e coletiva eram a base fundamental desses valores. Pois bem, se a sua opção é a número dois, parabéns! Ganhou um pôster do Mussolini e um beijinho do Luciano Hulk.


Ou junte-se ao pessoal da Grécia. Mas aprenda o gesto da mãozinha primeiro.

E o que tem a ver o camelo com seus carrapatos? Explico. Algumas reações que presenciamos nas ruas não podem ser chamadas de outra coisa senão fascistas. Essa semi-religião mesquinha que prega valores tão antiquados quanto um cavaleiro da idade média, adora quando uma multidão enraivecida queima bandeiras de partido. O fascismo engorda mais ainda quando as reivindicações ficam na base da moralização da política e da generalização. “Somos contra a corrupção!” alguns dizem. Mas quem não é, cara pálida? É capaz de você olhar pro lado e ver o Maluf marchando enroladinho na bandeira do Brasil. Tem que tomar cuidado com isso ai! Essa malfadada ideologia pega de orelhada e dá alvos fáceis, sempre a ser exterminados. Mas continuamos...

Depois que esse ímpeto de ir às ruas acalmou, pudemos ver algumas consequências engraçadas e até patéticas, como a “marcha pela família em cristo contra o comunismo” com seus retumbantes 32 manifestantes ou “ a marcha dos médicos”, que contou com a colaboração de taxistas, que levaram os revoltos pro ato contra a vinda de profissionais de outros países. A globo contou 5 mil manifestantes. Eu contei 47. Cada um desses fatos merece uma análise carinhosa e detida, mas essa num é a intenção agora. Prefiro ficar com os nossos micro-fascismos diários que vem nos estapear todo dia.

Véi! Pare imediatamente de achar massa o fato de um funkeiro ter sido assassinado em pleno palco. É sério. Uma morte não fica mais divertida pelo fato de você ser preconceituoso. E não venha me dizer que ele merece por fazer apologia ao crime! Digamos que o assassinado fosse, sei lá, o vocalista do Rage Against The Machine. O cara critica a polícia e é tão anti-sistema quanto o MC Daleste, mas ele é mais legal por que canta em ingrêis!? Para de ter mente de colonizado!

Tem mais. Por favor, não fique esbravejando contra o “bolsa-esmola”, não defenda a diminuição da maioridade penal, não fique orgulhoso em cantar o hino junto com o Galvão depois que a banda para de tocar, não admire o policial que mata, desencana do Pânico na TV e, principalmente, esqueça aquela piadinha dos “50 centarro” do Zorra Total! Aquilo é rascimo!


Vai dizer que não é?



Desculpe aporrinhá-lo, caro leitor. É essa comichão que não me permite ficar quietinho no meu canto, sendo esse magistral ponta de lança cantado por Jorge Bem. É que tem certas fita que num dá.  São muitas e prometo dar maior atenção pra cada uma delas, mas por enquanto é nóis, “contra os boy, contra o GOE e contra a Ku Klux Klan.”

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Ato contra o aumento da passagem

Aumento da passagem.

Esse relato é para aqueles que não tiveram a oportunidade, por qualquer motivo, estando de acordo ou não, de estar ontem na manifestação contra o aumento da passagem no centro de São Paulo.  Ressalto que não tenho interesse em ser imparcial por acreditar que um texto opinativo é sempre e inevitavelmente um ponto de vista sobre a situação. Tento, é claro, ser o mais fiel possível ao que presenciei.

Chegamos ao ato, eu e mais cerca de doze amigos, por volta das 17:40 e fomos direto para a concentração na frente do teatro municipal.  Lá fomos informados da nossa sorte de não termos sido apanhados em uma das inúmeras batidas policiais que, acreditem, prendiam indiscriminadamente pessoas que portavam aquele que castamente não virou  vinho , O VINAGRE. Para quem não sabe, o vinagre inibe consideravelmente a ação do gás lacrimogênio, (mal sabíamos como seria necessário), e, segundo os PMs, é usado na composição de alguns artefatos inflamáveis. Convido o leitor, se já perdeu seu tempo até aqui, a tirar suas próprias conclusões apreciando o texto e o vídeo do jornalista Piero Locatelli da Carta Capital nesse link: http://www.cartacapital.com.br/politica/em-sao-paulo-vinagre-da-cadeia-4469.html
Saímos da concentração já num clima de muita tensão. Optei por ficar longe das lideranças do movimento, partidárias ou do MPL (Movimento Passe Livre), historicamente mais comprometidas com o andamento do ato sem violência, para me aproximar das “bordas” do ato, onde se encontram na maior parte das vezes os mais radicais, os “vândalos” que Marcelo Resende proclama aos sete ventos no Cidade Alerta.  Pois bem, posso dizer categoricamente que o clima de tensão era unicamente causado pela associação Governo do Estado, Governo Municipal, Polícia e é claro, boa parte da mídia. Não observei nenhum dos manifestantes portando qualquer objeto que pusesse em risco a integridade física do policial. É evidente que alguns reagiram como puderam as posteriores agressões, mas ficou claro que o confronto era incentivado apenas por uma das partes.

Para os mais pacientes, segue o depoimento do Coronel da polícia militar Marcelo Pignatari dado à Folha de São Paulo: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1294300-pm-de-sp-diz-que-manifestantes-nao-ficarao-mais-a-vontade-pela-cidade.shtml  e dois vídeos excepcionais que, se não evidenciam, escancaram a postura da polícia militar nos eventos de ontem: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=kxPNQDFcR0U  / http://tv.estadao.com.br/videos,CORONEL-DIZ-QUE-PASSEATA-ESTAVA-DE-PARABENS-INSTANTES-ANTES-DE-TROPA-COMECAR-ATAQUE,203844,250,0.htm   . Para aqueles preguiçosos ou com o corpo doído das pancadas de ontem, o primeiro se trata de um policial quebrando a própria viatura (seguido de um AHááááááááá triunfante do cinegrafista) e o segundo trata do coronel da PM parabenizando a manifestação, deixando implícita a sua subordinação às ordens do Estado no fim de sua fala, segundos antes da tropa de choque começar a lançar suas bombas de efeito imoral e seus gases de pimenta pra temperar a ordem.

Nesse momento estávamos eu, minha companheira e mais duas amigas em frente à igreja ali da praça Roosevelt. É claro que já estávamos perdidos dos outros amigos e preocupados com todos eles, mas a multidão ainda se comportava de maneira minimamente organizada e sempre pacífica, aos gritos de “Sem Violência!”. Achávamos que a ação da polícia era para retirar os manifestantes da faixa da Consolação que vai ao sentido centro. Percebemos o nosso engano quando vimos outra formação de policiais da tropa de choque subindo do centro para a paulista e mais uma da Maria Antônia para a praça Roosevelt, fazendo de nós uma espécie de sanduíche em que eu e os outros azarados éramos as mortadelas assustadas.

Para não deixa-lo, entediado leitor, com a baba escorrendo pelos cantos da boca de tanto enfado, narro rapidamente o restante dos acontecimentos. A partir desse momento foi o caos total. Nunca havia inalado tanto gás lacrimogênio (como fizeram falta aqueles vinagres!) e o desespero tomou conta quando percebi que tinha perdido, além das duas amigas, minha companheira. Tentei subir as ruas virando a esquerda na praça Roosevelt me desvencilhando da multidão. Percebi que uma das amigas estava agarrada no meu braço e vimos algumas pessoas caídas pelo caminho, muitas passando mal com o gás e outras simplesmente apavoradas. Resolvemos andar pelo meio dos carros, achando que na cabeça dos policiais o respeito ao patrimônio fosse maior que o com as vidas ali em risco, mas nada adiantou. As bombas continuavam despencando. E se você acredita que estou exagerando em falar de vidas em risco, imagine uma concentração de umas 15.000 pessoas tentando passar por espaços mais que apertados com balas de borracha e gás lacrimogênios açoitando as costas. Foi um alívio ver que ninguém saiu pisoteado.

Conseguimos por fim chegar ao ponto de encontro previamente combinado com uma baixa, minha companheira.  Ligamos desesperados atrás dela e fomos informados de que duas pessoas incríveis, Bruno e Fernanda, tinham a levado para o hospital com um ferimento profundo no braço causado por estilhaços de bombas. Meu conforto foi saber que ela já estava sendo examinada e medicada e que passava bem.


Agora, caro leitor, peço que conclua comigo. Não espero com esse relato que você se compadeça de nossas frágeis existências e guarde na memória mais uma história em que, no final, o amor tudo vence, apesar da lindeza e simpatia com que eu e minha namorada desfilamos pelo mundo. Quero que pense no ponto de vista dos manifestantes como alguém que, assim como os policiais, tem medos e problemas. Gostaria que pensasse também no que o Estado tem feito para resolver os NOSSOS problemas cotidianos. Enfim, quero que reflitam uma possibilidade sem muitos heróis ou vilões, só com gente que tem como princípio defender interesses coletivos ou olhar, decidido e contemplativo, para próprio umbigo.
  

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A Geni e o Serra


A Geni e o Serra


Quando garoto juvenil era freqüentador dessa penitente instituição carinhosamente apelidada de escola. Não gostava, é claro, do marasmo diário que aquilo me proporcionava. Não gostava é pouco: preferia um tiro bem no meio dos olhos a ter que ficar lá, sentado numa posição em que só é possível olhar a nuca do colega e a performance do palhaço lá na frente.

A escola em que passei a maior parte dos anos de minha miserável vida adolescente ainda tinha alguns agravantes. Por algum motivo que, muito provavelmente, nenhum metido a Paulo Freire poderá me esclarecer, não era permitido o uso de bonés em sala de aula, nem o divertido hábito de mascar chicletes. Por quê? Já disse que não tenho a mínima idéia. Deve ter a ver com a nossa amada diretora, uma espécie de pseudo lingüista, educadora e crente fervorosa em duendes (é sério!) que nos propunha um comportamento assim, um tanto quanto peculiar. Uma fofa que, lembro bem, não era a Xuxa nem algo que o valha.

Outro fator que aumentava o nível de insanidade era uma professora de português que carregava consigo o melhor dos nomes que uma professora de português pode carregar: Geni. Também não sei bem o porquê desse ser um bom nome. Para mim parecia muito óbvio. Soa legal, tem apelo, propicia piadas e tem uma música inteirinha só pra ela. Música essa que eu ainda não conhecia naquela época. Sorte dela...

Pois bem. Essa bendita mulher era o próprio diabo na rua no meio do redemoinho. Ela não gostava de nada nem de ninguém. Gostava, isso sim, de ver o sofrimento estampado na cara de cada pobre alma maltratada por sua sede incomensurável de sangue e vísceras (exagero proposital). Sim, meus caros, esse agradável exemplar de ser humano nos dava ditado todos os dias, com chamada oral e o catso a 4, só pra expor e humilhar seres de tão pura ingenuidade pueril (exagero e pleonasmo reiteradamente proposital).
Queria mais é ficar de boa, do lado de fora do colégio
Há, no meio de toda essa dor, um episodio que mais me corta o coração. Num dia como qualquer outro nos encontramos, eu e Geni, em nossa batalha campal diária. Não estávamos no nosso melhor humor e a provocação mútua agradava aos ouvidos daqueles que nada queriam com a aula e com a vida para além do futebol na educação física. A cada chibatada da possante senhora, respondia afiando a língua no amolador do inferno. No limite dos ânimos vêm as fatídicas palavras, firmes, resolutas, cortantes: VAI SE FUDE, PROFESSORA! 

Quanta vergonha! Aquela alma, por mais debilitada e ressentida dos longos anos de docência, não merecia tal disparate. Veio a pior das reações: ela chorou e saiu da sala. Eu, pateticamente orgulhoso do meu feito, me vangloriava aos amigos mais eufóricos e comemorava os preciosos minutos sem aula. Fui obviamente chamado à diretoria e peguei bons três dias de suspensão, explicados pormenorizadamente à mamãe pela diretora dos duendes, o que veio a me render uma merecida surra e alguns meses sem o precioso videogame.

Agora, caro leitor, vem a tão aguardada conexão. Imaginem só se essa cena toda acontecesse na cidade imaginária do morto vivo a quem chamamos, não tão carinhosamente, de Vampiro Serra. Seria eu escoltado por truculentos homens da lei até a Fundação Casa mais próxima e teria minha capivara pela primeira vez preenchida com os dizeres garrafais: CRIMINOSO EM POTENCIAL.

Procurar uma foto do Serra é sempre muito divertido.

Não da pra entender como uma ação como essa, proposta pelo amado ex quase prefeito, não nos cause um vômito coletivo. Como é que esse homem calvo de nosso tempo acha que vai identificar esses maníacos, esquizofrênicos, matadores de velinha em potencial? Eu acho que uma seção de choques embaixo da unha pode resolver e fazer qualquer moleque atrevido confessar seus futuros crimes. Vamos ter que abrir, imaginem só, um novo paradigma nas leis e na constituição. Eu sugiro o nome de CRIMES DO PORVIR. Tudo aquilo que o sujeito é capaz de, por ventura fazer, deve ser punido imediatamente, sem direito a réplica. Uma espécie de Minorty Report tucanizado.

E não me venha com: “Peraí, Umba. Se já viu do que esses cruzamentos de saci manco com curupira são capazes de faze?! Esse mulek são os demo!” Ou até: “Para, velho! Bandidinho bom é bandidinho morto”. Digo apenas: Não defeque pela boca! Quer dizer então que violentando esse já tão precário ambiente de ensino vamos melhorar a situação? Fico com a frase do óbvio ululante em qualquer croniqueta, Nelson Rodrigues, citando algum de seus muitos amigos: “Combater a violência com mais violência é o mesmo que querer emagrecer comendo açúcar”.

Palavra já gasta, fico por aqui pra não consumir ainda mais seu tempo. Para a querida Geni, fica o meu eterno arrependimento e a certeza de que, meio freudianamente meio sem idéia porque, virei um professor de português bem mequetrefe.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Num entendi, seu Malafaia?


Num entendi, seu Malafaia?



Toda vez que me sento na frente do generoso aparelho de TV da casa de mamãe fico perturbado. Mamãe, é claro, me acha um chato. A simples constatação de ver que um sujeito como Marcelo Resende ainda compartilha, digamos, seus ideais pra qualquer doido que o ouça já me faz xingar alto. Qualquer pontapé datenístico nos “marginais” faz borboletas defecarem em meu estômago.  E dá-lhe insulto pra cima da fonte de entretenimento familiar.

Apesar de chato a família acha divertido. Só me calam, mandando comprar pão ou qualquer tarefa de maior expressão, na hora em que Max está lá nacionalmente agonizando. Acho linda a comoção com a morte do moçoilo. A máxima do supracitado Datenão aqui também vale “Bandido bom é bandido morto”.  Que dizer? No meu caso sempre me vem a dúvida: Falo mal da novela? Discuto ideologia? Faço uma seção à la Laranja mecânica com o documentário Muito Além do cidadão Kane? Clamo aos irmãos Palmeirenses pelo não rebaixamento?! Nunca sei...
Eu confuso no paint.

Só que a vida não é feita só de desafeto e desentendimento. Temos sempre as unanimidades. E o que é Silas Malafaia se não uma unanimidade? O cara parece que ta com a imagem mais manchada que Galvão Bueno, minha gente. Toda vez que ele da as caras ou damos de cara com ele em qualquer passadela rápida de canal, tem-se um frenesi de xingamentos. Eu, sensível que sou, me emociono facilmente de tanto orgulho da minha família. Quanto mais elaborada a injúria melhor.

E, caro leitor, antes que você pense: “Que idiota você umbá, vendo TV só pra vir falar groselha pra gente depois” ou até: “Que família doida se tem rapaz. Povo doido fica xingando a TV! Vai se trata!”, adianto que, sim, você tem toda razão. Mas como diz a sabedoria popular: “Em terra de Saci todo chute é voadora e que se foda a razão!” Acho que era mais ou menos por ai.

Voltando ao objeto pernicioso da croniqueta, Malafaia. Eu particularmente adoro esse cara. Ele tem um poder de interpretação da bíblia que nem Santo Agostinho jamais sonhou. Ele samba na falta de sujeito e de objetividade do texto pra dar o seu show, desvelando preconceitos e agressividades que o próprio Deus sabia que tinha, mas tava fazendo tratamento pra se livrar.
Ta fácil pra ninguém

Em uma de suas sábias intervenções, Silas diz sobre um dos grandes problemas que assolam o homem de bem, o preconceito aos heterossexuais. Não, caro leitor. Você não está presenciando um claro problema de regência. Eu disse “aos” heterossexuais mesmo, não “dos” heterossexuais. Pra essa grande cabeça calva de nosso século, o sofredor não é aquele que apanha, física e moralmente, todos os dias por causa de uma preferência sexual, e sim aquele que da a porrada. É como tirar o chicote da mão do torturador pra evitar uma tendinite.

Fiquemos por aqui pra não tirar matéria de uma próxima croniquinha. Reitero aqui meus agradecimentos ao pastor que une consciências tão díspares. Brigadão, Malafaia. Você faz bem à família brasileira, pelo menos pra minha.